Django Livre

Título Original: Django Unchained
País: EUA
Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Elenco Principal: Jamie Foxx, Christoph Waltz e Leonardo DiCaprio
Estreia no Brasil: Janeiro de 2013



Tarantino volta às telonas para dar vida a uma fantasiosa vingança dos negros escravizados nos EUA. Aquele tradicional universo violento e fantasioso volta à cena para ilustrar um merecido troco aos que um dia exploraram brutalmente os negros. E o que é melhor, com um humor inteligente e debochado que somente o diretor rei dos diálogos poderia criar.

Django (Foxx) é um escravo comprado pelo caçador de recompensas Dr. King Schultz (Waltz) com intuito de que ele possa reconhecer três fugitivos da lei em troca de sua liberdade e uma parte considerável da recompensa. Dr. King, um simpatizador dos negros, acaba por conhecer melhor Django aceitando ajudá-lo a resgatar sua esposa que é mantida escrava na casa do cruel Calvin Candy (DiCaprio), elaborando um ousado plano para tal façanha.

Desde a escolha do protagonista, inspirado naquele vivido por Franco Nero no longa de Sergio Corbucci de 1966, Tarantino também já explicita sua homenagem aos antigos Faroestes Espaguetes. São inúmeras recriações de cenas clássicas, uso de tradicionais músicas na sua sempre empolgante trilha sonora, além da magnífica participação do próprio Nero em um curto diálogo com o personagem de Django de Jamie Foxx (depois do trailer irei fazer um parágrafo extra para citar várias das referências feitas por Tarantino que reconheci ao longo do filme, é para não criar spoilers indesejados na crítica). Inicia-se com um peso cômico maior em sua primeira parte para só depois despejar a tensão e a violência sob o espectador. Mas isso não  é simplesmente um uso exacerbado de balas dilacerando tecidos e pulverizando sangue ao redor. Além disso, Django Livre não é somente um produto do entendimento de quem cresceu assistindo dezenas de faroestes e entendeu o que eles são, é uma produção sobre o que não havia naqueles lendários filmes.

Tarantino ainda suga o melhor de cada ator, alguns velhos conhecidos de seus filmes. Waltz (Bastardos Inglórios) é novamente a impressão mais forte, mas dessa vez pareando com a personagem de Samuel L. Jackson (Pulp Fiction), que vive um inusitado e engraçadíssimo "baba-ovo" dos brancos. Enquanto isso, DiCaprio alcança uma excelente performance concretizando uma opinião pessoal de que ele é sim um grande ator, quando lhe dão os papéis certos. E não só pelas atuações, Django Livre é de uma elevado nível técnico. Sob outro aspecto, Quentin é perfeito também ao não deixar-se criar sentimentos dramáticos demais no público. Para manter o caráter de fábula sobre seu protagonista e sua epopeia, ele evita grandes momentos comoventes, ora inserindo humor (como no reencontro com Broomhilda) ora desviando a câmera (cena com D'Artagnan). Dado o propósito do personagem título, evitar qualquer laço emocional com a plateia é fundamental. Não é uma questão de justiça. É uma questão de vingança. E ela é violenta e insensível perante a imoralidade.

Ainda sim, acredito que uma analise mais filosófica revela uma preocupação de Tarantino em levantar pontos absurdos na história dos EUA ao tratar a escravidão brutal da região sulista (mas que não é exclusiva àquele país). Deixa-se nas entrelinhas a prepotência dos que se subjugaram superiores aos humanos de pele negra que hoje, anos após a abolição da escravidão e sob uma amenização do racismo, influenciam de forma crucial a cultura americana (vide o hip-hop que, a princípio, soa deslocado em certo ponto da trama). Mais que isso, Calvin Candy também representa a futilidade estúpida de muitos. Quer ser chamado de Monsieur Candy enquanto nem sequer fala o idioma francês. Um país onde se originou o movimento iluminista que influenciou direta e indiretamente a criação do próprio estado americano mas que de certa forma é hoje rejeitado por eles. Tem também a retratação, em Stephen  (Jackson), daqueles que aceitam viver na humilhação para simplesmente salvar a própria pele. E mais tantas outras mensagens espalhadas ao longo da projeção.

Em um tempo onde a tecnologia causa muitas transformações na forma de se expressar (levando em consideração reconhecimento formal das diversas maneiras de ser preconceituoso), Django Livre traz uma possível nova linguagem para o uso do humor irônico e sarcástico. No fundo este trabalho de Quentin Tarantino é uma obra de arte com muito mais valor cultural do que inúmeros títulos poderiam tentar um dia ter.




Referências a antigos filmes

Como disse antes, são muitas as citações feitas por Tarantino em Django Livre, há algumas que me lembro bem. Fritz, o cavalo do Dr. Schultz, faz um comprimento que remete ao famoso cavalo do cowboy Roy Rogers, presente em dezenas do chamado faroeste B. Trigger é conhecido como o cavalo mais inteligente do cinema. As última palavras de Stephen são exatamente as mesmas dita pelo Feio em Três homens em conflito - O Bom, o Mau e o Feio. Em Cães de aluguel, há uma discussão sobre como o joelho seria a pior parte para se levar um tiro, Django faz uso disso. Em Bastardos inglórios, Tarantino cria um alemão caçador de judeus e um tenente sulista contra àquela discriminação. Aqui os papéis se invertem dado que o sulista Calvin representa o máximo do racismo enquanto o alemão Dr. King é quem repudia tais atitudes. Além disso, existem as inúmeras músicas do próprio Django de 1966 quanto de outros faroestes como Os abutres têm fome (Don Siegel) e Meu nome é Trinity (Enzo Barboni).

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